sábado, 27 de setembro de 2008

O hoje me aperta entre seus dedos metálicos mas ainda não me tem nas mãos. Contra toda a paisagem o vento vem: acaricia e transfigura aquilo que da palavra não se espera que alcance. Corpo em grito, desejante, de quase morte: ar se deslocando. Emaranhado tenso em desmanche a perguntar como fazer da cisão uma fresta. Um raio. Que se desenhe paralelo a terra e o céu, cortando a paisagem da tormenta.

Grande escritor

Uma vírgula pequena no canto da boca, que o escritor esqueceu de pôr e quando viu tava mastigando ela, tempão. Aquela vírgula de dizer a hesitação, a tentativa de não saber pra poder entender melhor. A vírgula de ser inacabado, como o horizonte. Um fã da Clarice lhe disse que a amava com mudo fervor, ao que ela lhe respondeu que todo fervor é mudo.

Como não ter ordem pra escrever um texto, encontrar a vírgula ao dobrar a esquina e ficar olhando, olhando, a quebra que ela faz no que já não está inteiro. Como as ruas vazias, becos, aquilo do que não está escrito. Não no papel, mas se vê impresso na pele do mundo, por todos os cantos. Cantos da boca, em que o escritor mastiga a vírgula.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

VOU MOSTRAR QUE EU SOU TIGRÃO:

deu pra mim, é cadela

...

Homem textura
olhos investigando
o que não se evita.
(nem se imagina)

No campo imenso
a torre de petróleo duvida:
(sem que eu saiba dizer se é ela
ou o campo
quem está só)

- Em que consiste a masculinidade?

De súbito,
sem intenção,
a janela refaz a tarde

terça-feira, 23 de setembro de 2008

outra versão

Noturno

Cachaça boa
o bar ia entrando
entornando

A sinuca toc-toc
a cara depenando...

a bola ia
vinha

A cachaça, é da boa
a cara, mais perto
e o bar

continua aberto




Totonha

Capim sabe ler? Escrever? Já viu cachorro letrado, científico? Já viu juízo de valor? Em quê? Não quero aprender, dispenso.

Deixa pra gente que é moço. Gente que tem ainda vontade de doutorar. De falar bonito. De salvar vida de pobre. O pobre só precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa eu, aqui no meu canto. Na boca do fogão é que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de sílaba?

O governo me dê o dinheiro da feira. O dente o presidente. E o vale-doce e o vale-lingüiça. Quero ser bem ignorante. Aprender com o vento, ta me entendendo? Demente como um mosquito. Na bosta ali, da cabrita. Que ninguém respeita mais a bosta do que eu. A química.Tem coisa mais bonita? A geografia do rio mesmo seco, mesmo esculhambado? O risco da poeira? O pó da água? Hein? O que eu vou fazer com essa cartilha? Número?

Só para o prefeito dizer que valeu a pena o esforço? Tem esforço mais esforço que o meu esforço? Todo dia, há tanto tempo, nesse esquecimento. Acordando com o sol. Tem melhor bê-á-bá? Assoletrar se a chuva vem? Se não vem?

Morrer, já sei. Comer, também. De vez em quando, ir atrás de preá, caruá. Roer osso de tatu. Adivinhar quando a coceira é só uma coceira, não uma doença. Tenha santa paciência!

Será que eu preciso mesmo garranchear meu nome? Desenhar só pra mocinha aí ficar contente? Dona professora, que valia tem o meu nome numa folha de papel, me diga honestamente. Coisa mais sem vida é um nome assim, sem gente. Quem está atrás do nome não conta?

No papel, sou menos ninguém do que aqui, no Vale do Jequitinhonha. Pelo menos aqui todo mundo me conhece. Grita, apelida. Vem me chamar de Totonha. Quase não mudo de roupa, quase não mudo de lugar. Sou sempre a mesma pessoa. Que voa.

Para mim, a melhor sabedoria é olhar na cara da pessoa. No focinho de quem for. Não tenho medo de linguagem superior. Deus que me ensinou. Só quero que me deixem sozinha. Eu e minha língua, sim, que só passarinho entende, entende?

Não preciso ler, moça. A mocinha que aprenda. O doutor. O presidente é que precisa saber o que assinou. Eu é que não vou baixar minha cabeça para escrever.

Ah, não vou.





Marcelino Freire, In Contos Negreiros, pp79-81.Record, 2005

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

fora de mim

fora de mim
danço na madrugada
com bom humor
sem dar pelas minhas razões.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

há ocasiões na vida
que se deve pensar radicalmente




poema do grande-poeta-sem-maiúscula berimba de jesus

De noite

Cachaça boa
o bar ia entrando
entornando a coluna e a ultrapassagem.
A sinuca toc-toc
a cara ia depenando
a bola ia
vinha

A cachaça é da boa
a cara, mais perto
e o bar continua aberto
no canto mais negro da noite

tá convidado

um convite ao nosso rabisco de todo dia. escrita que nasce pra ser incompleta, pra ser encontro e desencontro.
meta aí a sua caneta!
(se der na veneta...)

bate-boca

saliva
entre dente e língua