sábado, 18 de outubro de 2008

danço eu, dança você, na dança da solidão

de quatro, no seu quadrado
cada um no seu quadrado

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A chuva cai, de pouco, entre trovões. Muitos esperam pelo fim da jornada de trabalho, querendo pisar a rua ruim de novo. Chove, e todos têm um risco escuro na cara, atravessado de orelha à orelha. Até as crianças.
Dum lado ela segura a criança, do outro, a sacola. O trajeto é longo. Uma senhora se aproxima, com os olhos pequenos imersos na face cheia, tentando estender alguma coisa. Os olhos parecem que vão se afogar.
Uma das mãos avança bamba pelo espaço enquanto a outra busca o corrimão em que se apoiar. No farol vermelho, ela entende: um relógio fosforecente, por cinco reais. À prova dágua, bom para quando chove.
O ônibus encosta. No ponto, um senhor de idade mede a distância entre as próprias orelhas, com uma fita métrica.
Aqui chove sempre, ela pensa, olhando o vidro marcado de pingo. As gotinhas brilham atravessadas pelas luzes em movimento. A vendedora do relógio insiste, sacudindo o ar. Ela tenta explicar que está sem dinheiro, mas a vendedora grita com força, o som da voz a alcança esganido. Já não é mais uma senhora, talvez uma mulher, cuja voz vem de baixo.
A mãe abaixa os olhos, e vira o rosto. As gotas na janela lhe provocam certa tontura, brilhando pequenas e despedaçadas. Alguém lhe segura o braço em que carrega a criança. É a mulher do relógio, que está passando. Vai tentar vender no segundo carro.
Se pudesse, ajudava. Já tinha ficado sem dinheiro pra pagar a saída do ônibus, lembrou, enquanto reparava um homem a sua frente. Ele media o pulso com uma fita métrica, repetidas vezes. Depois media o comprimento dos dedos, o comprimento da mão aberta. Mão de homem, ela lembrou: quando há homens no ônibus é mais fácil de conseguir dinheiro.
Ficou olhando as gotas e as luzes na janela: uma delas subia enquanto as outras desciam. A rua ruim trovejou, bem perto dessa vez. Pareceu que dizia alguma coisa, ela não entendia. Sentiu o corpo vacilar, os olhos caírem pra dentro enquanto os ouvidos se abriam para fora, num grito inaudível para quem só estava por perto.